sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

UMA NOITE EM 67



Histórico. Essa é a palavra que melhor define o III Festival da Música Popular Brasileira, realizado pela TV Record, no Teatro Paramount, em 1967. E essa aura histórica e de tremenda efervescência cultural que o documentário dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, busca resgatar e transmitir ao telespectador ao longo de 85 minutos.

São vídeos originais das apresentações dos cinco primeiros colocados do festival, além de entrevistas atuais com os artistas, críticos e técnicos que trabalharam no festival, traçando um retrato da cultura de uma geração brilhante da música brasileira.

Dentre os músicos, são entrevistados Sérgio Ricardo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, MPB-4, Edu Lobo e Roberto Carlos. Além do crítico e compositor Nelson Motta; do realizador do projeto do festival Solano Ribeiro; o diretor da TV Record, Paulinho Machado de Carvalho; Zuza Homem de Mello, então técnico de som do evento; o jurado Sérgio Cabral; e o jornalista Chico de Assis.

É interessante que o documentário entrelaça imagens originais do evento, incluindo as entrevistas com os músicos feitas na cobertura do festival, com depoimentos atuais dos diversos envolvidos citados acima, comentando além do festival em si, o momento cultural e político que o país passava, enfrentando toda a rigidez do regime militar e a censura.

Entre as apresentações históricas, o filme mostra na íntegra as apresentações de todos os finalistas, incluindo Sérgio Ricardo, que durante a apresentação de “Beto Bom de Bola”, incomodado com as constantes vaias da plateia se retira do palco, sem antes quebrar seu violão e arremessa-lo na audiência, sendo dessa forma, eliminado do festival. Além disso, vemos o vencedor do festival Edu Lobo, cantando ao lado de Marília Medalha, a canção vencedora, “Ponteio”; Caetano Veloso cantando ao lado da banda argentina The Beats, a belíssima (e relegada por ele nos dias de hoje) “Alegria, Alegria”; Gilberto Gil, que ficou em segundo, tocando ao lado dos Mutantes, a não menos bela “Domingo no Parque”; o galã Chico Buarque, com seus 23 anos, cantando “Roda Viva” como gente grande, ao lado do MPB-4; e a surpreendente interpretação de Roberto Carlos no samba “Maria, Carnaval e Cinzas”. Ainda participaram do festival, porém sem se classificar à final, Elis Regina, que levou o prêmio de melhor interprete com “O Cantador” e Nara Leão, que cantou ao lado de Sidnei Miller, “A Estrada e o Violeiro” que ganharia o prêmio de melhor letra.

Dentre os fatos mais curiosos da época, destacam-se a passeata contra a guitarra elétrica, lembrada por Nelson Motta, em que participaram artistas como Jair Rodrigues, Elis Regina e Gilberto Gil e tinha como intuito a conservação da música brasileira de raiz, vendo a guitarra como símbolo de uma possível invasão da cultura norte americana e britânica, relegando a MPB. Todos artistas que participaram daquele movimento hoje reconhecem quão absurdo aquela passeata foi.

Outro momento divertido do documentário se dá quando Miltinho da MPB-4 relata uma passagem em que estavam assistindo uma apresentação de Caetano Veloso durante sua fase tropicalista, onde ele abusava da androgenia e, ao encontrar com Erasmo Carlos, da turma rival da Jovem Guarda, ambos dizem não estar entendendo nada da apresentação. A história é deliciosa.

Ressalta-se também o momento em que Chico Buarque diz ter se sentido sozinho durante o movimento tropicalista encabeçado por Caetano e Gil, pois todos o viam como o retrato de um comportamento tido como mais velho, conservador, o que, de fato, não era verdade.

O que mais me chamou atenção ao assistir ao documentário foi como nossos artistas jovens da época eram inteligentes e cultos e conseguiam transmitir isso através de suas letras e músicas. Apesar de serem muito jovens, Caetano (24), Chico (23) e Edu Lobo (23), todos já cantavam e compunham músicas com forte apelo social, gritando por liberdade, com linguagem sofisticada e extremamente competente. O mais surreal de tudo é que as músicas eram populares, era isso que o povo ouvia e se interessava. Já hoje em dia, vemos caras de 35, 40 anos cantando como dramas adolescentes como se não houvesse mais nada o que se questionar na nossa sociedade cada vez mais capenga.

Fico me perguntando onde estão os Caetanos, Chicos, Gils e Elises da minha geração e não os encontrei. O que torna ainda mais precioso o documentário é a lembrança de um tempo em que éramos mais inteligentes, tanto artistas, quanto público e até entrevistadores, fazendo um programa popular e de extrema qualidade.

Um dia, quem sabe, nossa MPB deixe de ser tão pretensiosa e volte a ser talentosa daquele jeito, com lindas canções que toquem de verdade o coração das pessoas e não só sirvam de trilha sonora pra mais uma balada vazia e monótona.


Segue a lista completa dos ganhadores da inesquecível noite:

1º lugar: "Ponteio" (Edu Lobo e Capinam), com Edu Lobo, Marília Medalha e Quarteto Novo;

2º lugar: "Domingo no parque" (Gilberto Gil), com Gilberto Gil e Os Mutantes;

3º lugar: "Roda-viva" (Chico Buarque), com Chico Buarque e MPB-4;

4º lugar: "Alegria, alegria" (Caetano Veloso), com Caetano Veloso e Beat Boys;

5º lugar: "Maria, Carnaval e Cinzas" (Luís Carlos Paraná), com Roberto Carlos e O Grupo;

6º lugar: "Gabriela" (Maranhão), com o MPB-4.

Outras premiações:

Melhor letra: Sidney Miller ("A estrada e o violeiro")

Melhor intérprete: Elis Regina ("O cantador")

Melhor arranjo: Rogério Duprat ("Domingo no parque")



David Oaski

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